domingo, 14 de agosto de 2011

Teorias do desenvolvimento cognitivo: suas contribuições para a Psicopedagogia.

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ
CURSO DE ESPERCIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA
INSTITUCIONAL E CLINICO



Valderina Barroso Barbosa






TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA













FORTALEZA - 2009
Valderina Barroso Barbosa




TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA






Monografia apresentada à Universidade Estadual Vale do Acaraú como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Institucional e Clinica

Orientadora: prof. Maria do socorro Tavares de Souza










Fortaleza - 2009
Valderina Barroso Barbosa


TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA


Monografia apresentada à universidade estadual vale do acaraú como requisito para obtenção do titulo de especialista em Psicopedagogia Institucional e Clinico.



Monografia aprovada em: _____/____/____


Orientador: _____________________________________________
Prof. Ms Maria do socorro Tavares de Souza
1º Examinador: _____________________________________________
Prof.
2º Examinador: _____________________________________________
Prof.




Coordenador do Curso:
_____________________________________________
Prof. Esp. LUIZ BOAVENTURA DE SOUZA










Dedicatória

Dedico este trabalho a todos aqueles que fazem parte da minha vida, pela força que me deram no decorre dessa trajetória. À minha orientadora Maria do socorro Tavares que foi a pessoa que me guiou pelos caminhos que percorri para chegar a concluir o presente estudo.













Agradecimentos


À Deus, que sempre presente nos ilumina a cada dia.

Aos meus pais, Manuel e Francisca, ao meu irmão, em especial a minha segunda familia, minha querida Zulmira e Raimundo (in memória) e Thiago, Fellipe, Dhiego, e Lidiane Pelo incentivo aos meus estudos.

Aos meus amigos, que compreenderam o meu afastamento durante a minha dedicação do curso.

E em especial a minha querida professora e orientadora Socorro Tavares pela compreensão, paciência, pelas criticas e principalmente pelo apoio dado no decorre do estudo.


















RESUMO


Este trabalho analisa resumidamente as contribuições de Jean Piaget, Lev Semenovich Vigotsky e Henri Wallon para a educação e, por conseguinte, para a psicopedagogia. Como estes teóricas deram contribuições para a educação e para a psicologia, e como a psicopedagogia é uma ciência multidisciplinar que recebe influência de diversos ramos do saber relacionado com a aprendizagem, justifica-se então a escolha daqueles autores como objeto do nosso estudo. Objetivamos com nosso trabalho divulgar as doutrinas desses autores em nossa terra como uma maneira de contribuir para com a problemática e as dificuldades do ensino-aprendizagem, do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento cognitivo e da abordagem da psicopedagogia institucional ou clínica. Nossa posição teórica sobre o tema é a visão da problemática a partir do enfoque sócio-histórico-cultural. O homem é um ser social, produto histórico de uma determinada cultura e como a educação é um meio de socialização do homem, é mister ver esse homem nessa perspectiva, especialmente sob a perspectiva do socialismo marxista, dialético. Quanto à metodologia, limitamo-nos à pesquisa bibliográfica, fazendo uma interpretação analítica de alguns textos dos autores estudados, ou textos escritos sobre eles, relacionados com o tema proposto. A nossa conclusão final é destacar a importância do estudo da psicologia desenvolvimentista para a compreensão da criança e do adulto no seu processo de aprendizagem, de educação, de socialização e de integração na sociedade.











SUMÁRIO


Introdução...................................................................................................................07
Capítulo I – A Psicopedagogia e a problemática da aprendizagem...........................09
Capítulo II – Contribuições para a solução do problema da aprendizagem: a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget.........................................................................17
Capítulo III – Outras contribuições para a solução do problema da aprendizagem: as teorias desenvolvimentistas de Vigotski e Wallon......................................................30
Considerações Finais.................................................................................................46
Referencial Bibliográfico.............................................................................................48

















INTRODUÇÃO


Este trabalho tem como foco de estudo, inicialmente, dizer o que é psicopedagogia e sua tentativa de contribuir para a solução dos problemas de aprendizagem. A seguir, escolhemos alguns cientistas que procuraram dar contribuições para resolver esses problemas, como Piaget, Vigotski e Wallon.
Tradicionalmente, era comum estudar o conhecimento no homem já adulto, com todas as suas categorias de pensamento constituídas e acabadas, sem levar em conta que este conhecimento foi construído aos poucos, por etapas, desde o nascimento da criança até a vida adulta. Daí por que se diz que o conhecimento humano não provém de idéias inatas: todo conhecimento é adquirido gradativamente através da experiência e é uma construção da mente. Não existem ideias inatas, mas apenas uma disposição biológica hereditária para a aquisição do conhecimento, da racionalidade. Quer dizer, o ente homem só adquire sua humanidade, sua racionalidade, no meio social onde nasce e vive. Esta visão do homem como ser social é que vai ser o nosso rumo teórico para abordar o problema.
O homem é um ser racional, mas, como diz Piaget, a racionalidade de uma criança não é a mesma racionalidade de um adulto.
A construção racional da noção do mundo natural e social é gradual, pois a criança não nasce com seus processos cognitivos já acabados. Ela os constrói no seu vivenciar, na sua atuação no mundo. A noção de objeto, por exemplo, é construída gradativamente pela criança. O mesmo ocorre com as noções de moral, do princípio de causalidade, de número, etc.
Mas, dizer que a criança constrói a noção de objeto, isto é, a noção de realidade, pouco a pouco, pela experiência, não esclarece o problema da origem do conhecimento no contexto das diversas teoria filosóficas ou científicas. O início da questão seria esta pergunta: traz a criança, do berço, algum conhecimento inato ou a priori? Comporta ela, ao nascer, apenas uma predisposição para o conhecimento ou possui toda uma bagagem de conhecimentos adormecidos, esperando apenas estímulos para despertarem? No presente trabalho procuraremos responder a essas perguntas.
Tendo em vista a enorme importância das teorias de Piaget, Vigotsky e Wallon para a educação, faremos uma exposição abreviada dos principais pontos de seu pensamento, relacionando-os com a aprendizagem da criança e a influência do meio social no ato de cognição e na descoberta ou construção do sujeito epistêmico.
Nossa metodologia de pesquisa será totalmente bibliográfica, com o objetivo de expor as teorias de Piaget (1999, etc.), Vigotsky (2008, etc.) e Wallon (!992 etc.), com relação à origem e construção do conhecimento humano. E a metodologia empregada será uma interpretação analítica de textos relacionados com o tema
Nosso trabalho monográfico será dividido em três capítulos. O primeiro tratará de dizer o que é psicopedagogia e sua relação com os problemas de aprendizagem. O segundo abordará a psicologia do desenvolvimento cognitivo de Piaget, destacando sua contribuição para a tentativa de resolver os problemas da aprendizagem. E o terceiro estudará as contribuições das psicologias desenvolvimentistas de Vigotski e de Wallon para a possível solução dessa problemática.














CAPÍTULO I

A PSICOPEDAGOGIA E A PROBLEMÁTICA DA APRENDIZAGEM


Como a psicopedagogia ainda é uma ciência em formação, fica difícil fazer uma definição precisa sobre ela. Mas citamos alguns esboços de definição, colhidos por Carlos França, e inseridos no livro “Atuação psicopedagógica e Aprendizagem escolar” (organização Firmino Sisto et alii, 1996):

“A psicopedagogia surgiu como uma necessidade de compreender os problemas de aprendizagem” (Fagali e Do Vale); “O campo a que chamamos ´psicopedagogia` [é] o estudo do comportamento humano e seus reflexos na educação” (Deldine e Demoulin); “Esta é a proposta da psicopedagogia: compreender o indivíduo enquanto aprendiz. Como alguém cheio de dúvidas, fazendo escolhas e tomando decisões” (Rubinstein); “Psicopedagogia e psicologia (...) tem em comum a mesma natureza quanto à situação clínica. Ambas tem em comum oferecer um tipo de ajuda num encontro entre duas pessoas, em um local determinado pelo profissional (Gevertz) ( in Sisto, 1996, p.96).

Em síntese, as definições acima deixam implícita a divisão da psicopedagogia em duas partes: a psicopedagogia institucional escolar, atuando na própria escola e de caráter preventivo, e a psicopedagogia clínica, atuando no consultório do profissional, e de caráter remediativo ou “curativo” (terapêutico).
A psicopedagogia nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo de aprendizagem. Para conhecê-la melhor, precisamos refletir sobre suas origens. Desde já adiantamos que duas áreas de estudo nortearam a sua prática: a psicologia e a pedagogia.
A psicopedagogia teve sua origem na França. De lá, espalhou-se por outros países, inclusive a Argentina, trazida por refugiados judeus no final da II Grande Guerra. Em seguida, veio da Argentina para o Brasil, especialmente por causa do estabelecimento da ditadura militar no país vizinho a partir de 1976. A ditadura argentina provocou e emigração de muitos profissionais da área e vários deles mudaram-se para o Brasil onde a outra ditadura militar estava mais branda e já se esboçavam sinais da abertura democrática, em face da pressão da sociedade civil, clamando por liberdade. Hoje:

“Muitos profissionais argentinos encontram-se em nosso país, pós-graduando-se em psicologia, psicanálise e mesmo em psicopedagogia. Esses argentinos, em geral, acabam por ministrar cursos e chegam a ocupar um considerável espaço no nosso mercado. Além disso, encontramos trabalhos de autores argentinos na literatura brasileira, os quais constituem os primeiros esforços no sentido de sistematizar um corpo teórico da psicopedagogia. Vale citar Sara Paín (Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem, Psicopedagogia operativa, e A função da ignorância), Jorge Visca (Clínica psicopedagógica e psicopedagogia: novas contribuições), Alicia Fernández (A inteligência aprisionada)” ( in Pascual, 2000, p. 53).

Com relação ao Brasil dois grupos foram formados inicialmente: um no Rio de janeiro e outro em São Paulo. Dessa maneira iniciou-se a formação didática em psicopedagogia no Brasil. Sua regulamentação profissional encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, através do projeto de lei no. 3194/97, de autoria do deputado Barbosa Neto.
Como órgão de classe, os psicopedagogos contam há 18 anos com a Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp – e seções e núcleos em diferentes regiões do Brasil. Como ponto de apoio, a UNICAMP (Universidade de Campinas – SP) criou o GEPESP – Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicopedagogia, ligado ao departamento de psicologia educacional da Faculdade de Educação dessa instituição. Esse Grupo tem como “compromisso contribuir para que os profissionais de educação sejam capazes de atuar em nível de alunos e orientação de professores com vistas a equacionar a problemática das dificuldades de aprendizagem, propondo a sua superação” ( Sisto, 1996, p. 10).
Atualmente, como se disse, os psicopedagogos tem seu campo de trabalho em instituições escolares (psicopedagogia institucional) e nas clínicas (psicopedagogia clínica). Cada um desses espaços requer uma metodologia própria de trabalho, levando sempre em consideração as circunstâncias, o contexto sócio-econômico e cultural do educando. Por isso, os procedimentos técnicos para a realização desse trabalho não são predeterminados, como uma receita.
A análise profunda de uma situação e a intervenção nessa situação tem função preventiva, pois na medida em que trata de correções de determinados problemas, está prevenindo outros. Isso caracteriza uma ação terapêutica que considera os aspectos pedagógicos e psicológicos no tratamento do fracasso escolar, pois “A psicopedagogia é uma área de estudo diretamente relacionada à da aprendizagem escolar no que tange a seu decurso normal ou com dificuldades” ( Sisto, 1996, p. 9). E, a seguir, Sisto afirma:

“Saber como o aluno aprende e constrói seu conhecimento, bem como compreender as dimensões das relações com a escola, pode contribuir para o esclarecimento dos processos de aprendizagem e informar sobre como superar as dificuldades quanto ao rendimento escolar. Este último é influenciado por uma multiplicidade de variáveis, dentre elas, aspectos afetivos e cognitivos dos alunos e aspectos relacionados ao funcionamento da instituição escolar” ( Sisto,1996, p. 9,).

Desse modo, não só os alunos são passíveis de intervenções psicopedagógicas; de maneira geral, todos que trabalham na instituição escolar e, em especial, o professor, são alvo desse novo olhar, o olhar da psicopedagogia.
A psicopedagogia clínica, fora do âmbito escolar, efetiva-se, via de regra, no consultório. Apresenta-se em momentos especiais, como investigação, diagnóstico e terapia.
Na investigação, por exemplo, é realizada uma entrevista em ambiente adequado, onde o profissional reúne dados que vão ajudá-lo na intervenção. Um modelo adotado classifica os estados patológicos em semilógico, patogênico e etiológico. A entrevista poderá se estender a outros membros da família. Na fase de diagnóstico, outros instrumentos podem ser utilizados, tais como textos e até testes de uso (ainda) não permitido aos psicopedagogos no Brasil. Recorre-se então a outros profissionais, tais como neurologista, psiquiatra, fonoaudiólogo, etc. Só então, parte-se para a solução do problema ou terapia.
A criança mal nutrida, como também a demasiadamente bem nutrida, a criança filha de pais separados, órfãos ou mesmo atingida pela morte de um animal de estimação, todos esses fatores são ocorrências que muitas vezes traumatizam a podem concorrer para o fracasso escolar. O trabalho clínico busca então o por que do não aprender e inicia um processo de análise sobre o que é como aprender. Isso pressupõe no mínimo, uma teoria sobre o que é o conhecimento, sua origem e produção. Psicólogos como Piaget, Vigotsky, etc., deram enorme contribuição à ciência da pedagogia.
Trabalhando de forma preventiva (causas externas) ou terapêutica (causas internas), o psicopedagogo deveria dar assessoramento a todo o processo que envolva o ensino-aprendizagem, desde questões metodológicas, sanitárias, sócio-culturais, até o objetivo final, que é a relação aluno-professor e o resultado desta relação. Porque ele é formador de conhecimento e de cidadania, produzindo um sujeito que vai interagir na sociedade como um todo.
Assim sendo, a formação do professor é de fundamental importância para que uma relação madura e saudável se estabeleça com os alunos, seus pais e autoridades escolares. A tarefa desse novo profissional é auxiliar os professores, de modo que certas atitudes adversas e modelos arcaicos desapareçam do convívio harmonioso que deve ter a sala de aula. Portanto, o psicopedagogo deve refletir sobre essas questões, buscando dar sua contribuição no sentido de prevenir ulteriores problemas de escolaridade.
Assim, hoje, o profissional de psicopedagogia no Brasil, oriundo de várias áreas, deverá pautar sua intervenção visando a solução do processo de aprendizagem e seus problemas na forma de prevenção, diagnóstico e terapia; na forma de coordenação, supervisão e assessoria em espaço institucional, e atuar de forma clínica, quando for necessária, a fim de se capacitar para lidar com as dificuldades do aprendizado e objetivando as soluções de seus problemas.
Do ponto de vista ético, o psicopedagogo deve seguir certas diretrizes e por isso a Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp – apresentou uma reformulação do Código de Ética (no biênio 95/96), cujos cinco primeiros artigos reproduzimos aqui, para maior esclarecimento dos princípios e objetivos da psicopedagogia e porque, de certo modo, resume o que foi dito acima:

Artigo 1 – A psicopedagogia é um campo de atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humano; seus padrões normais e patológicos, considerando, considerando a influência do meio – família, escola e sociedade – no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios da psicopedagogia. Parágrafo único: a intervenção psicopedagógica é sempre de ordem do conhecimento relacionado com o processo de aprendizagem. Artigo 2 – A psicopedagogia é de natureza interdisciplinar. Utiliza recursos das várias áreas do conhecimento humano para a compreensão do ato de aprender, no sentido ontogenético e filogenético, valendo-se de métodos e técnicas próprios. Artigo 3 - O trabalho psicopedagógico é de natureza clínico e institucional, de caráter preventivo e/ou remediativo. Artigo 4 – Estarão em condições de exercício de Psicopedagogia os profissionais graduados em 3º. Grau, portadores de certificados de curso de Pós-Graduação de Psicopedagogia, ministrado em estabelecimento de ensino oficial e/ou reconhecido, ou mediante direitos adquiridos, sendo indispensável submeter-se à supervisão e aconselhável trabalho de formação pessoal. Artigo 5 – O trabalho psicopedagógico tem como objetivo: (1) promover a aprendizagem, garantindo o bem-estar das pessoas em atendimento profissional, devendo valer-se dos recursos disponíveis, incluindo a relação interprofissional; (2) realizar pesquisas científicas no campo da psicopedagogia. (In Pisandelli, 2008, p. 3).

Os psicopedagogos, na tarefa de ajudar no processo de aprendizagem escolheram aquelas teorias que davam ênfase à parte ativa da criança, que concebiam a aquisição do conhecimento como um processo, um dinamismo, uma construção. Por isso, escolhem autores como Piaget, Vigotsky, Freinet, Wallon, etc.
O psicopedagogo Firmino Sisto, por exemplo, rejeita a psicanálise como base ou fundamentação da psicopedagogia, porque ela procura dar ênfase ao lado emocional do ser humano na aprendizagem. “Dificilmente – diz ele – se pode atribuir todas as dificuldades de aprendizagem a um fundo afetivo. Como é difícil poder afirmar que algo seja puramente afetivo ou puramente cognitivo” (1996, p. 42). O descompasso afetivo pode influenciar no processo de aprendizagem, mas não se pode atribuir exclusivamente a ele os problemas de aprendizagem.

O que a teoria psicanalítica não consegue explicar, entre outras coisas – continua ele – é por que crianças saudáveis emocionalmente podem não aprender ou apresentar problemas de desenvolvimento, assim como crianças com problemas emocionais evidentes continuam seu desenvolvimento cognitivo e aprendem (Sisto, 1996, p. 43).
Por isso, autores como Freud, Jung, etc., podem ser estudados para deles se tirar algum proveito, mas a psicanálise mesma não pode ser a ciência fundamental para embasar a psicopedagogia.
Por outro lado, Sisto rejeita também a psicologia associacionista para explicar o processo de aprendizagem ou para fundamentar a psicopedagogia. Um dos princípios do associacionismo usado na aprendizagem é o de que os conteúdos devem ser seqüenciais, devendo haver relação entre eles para que o aluno possa absorvê-los. Mas Sisto contesta:

Uma pergunta que pode ser feita é por que o sujeito cognoscente continua aprendendo conteúdos que supõem conteúdos anteriores que ele não aprendeu (porque não foi ensinado na escola, ou porque não estudou, ou porque estudou e não aprendeu). Algo deve haver de diferente no funcionamento do psiquismo humano que possibilite essa aprendizagem ou, então, o sistema explicativo de pré-requisito, ou da aprendizagem ou da aprendizagem de um conteúdo depender da aprendizagem de outro, não ocorre exatamente assim ou não é um bom modelo para explicar o funcionamento do sistema cognitivo (1996, p. 46).

Diante disso, Sisto opta por outras psicologias e indica especialmente a psicologia de Piaget, de que falaremos com mais detalhe no capítulo seguinte.
Piaget deu enorme contribuição para a área da psicologia do desenvolvimento cognitivo da criança. Seu trabalho também ficou conhecido por Psicologia evolutiva, Psicologia do desenvolvimento, Psicologia genética, ou ainda Construtivismo.
Moreno assim define o construtivismo:

“Pois a palavra construtivismo é uma metáfora empregada em Psicologia e Pedagogia, que nos remete a uma teoria (originalmente devida a J. Piaget), segundo a qual o verdadeiro conhecimento – aquele que é utilizável – é fruto de uma elaboração (construção) pessoal, resultado de um processo interno de pensamento durante o qual o sujeito coordena diferentes noções entre si, atribuindo-lhes significado, organizando-as e relacionando-as com outras anteriores. Este processo é inalienável e intransferível: ninguém pode realizá-lo por outra pessoa” ( in Busquets et alii, 1997, p.39).
Por conseguinte, o conhecimento não é um dado, mas um feito, não é um dom, mas uma construção, é uma tarefa pessoal de cada um.
Como exemplo, destacamos alguns princípios do construtivismo com relação à aprendizagem da linguagem escrita, como construção de um sistema de representação. O caminho a seguir seria: partir dos conhecimentos que os alunos já possuem, isto é, dos seus sistemas de significação; apresentar problemas que provoquem conflitos na estrutura cognitiva da criança; dar ênfase à maximização do desenvolvimento e não apenas à busca de resultados, tendo como norte o processo de construção do conhecimento; aceitar como pertinentes os erros como progresso na estrutura cognitiva da criança e assim levar os alunos a tomar consciência dos erros cometidos, percebendo-os como problemas a serem enfentados.
Esses são, pois, alguns princípios gerais que deve seguir uma pedagogia construtivista, embora outros possam ser acrescentados, porém estamos apenas fornecendo uma amostragem.
Por fim, sintetizamos este capítulo com as palavras de Elcie F. Salzano Masini, que caracteriza a psicopedagogia como área que:

- Estuda as reações envolvidas em situações do aprender, para nelas resgatar o que emerge da vida de crianças, jovens e adultos – de suas impressões, sentimentos, dúvidas, valores, elaborações;
- cuida para não perder o que sucede, ao buscar os significados de situações do aprender para os que dela participam e assim contribuir para que cada um amplie e aprofunde seus próprios significados;
- esforça-se para não enfeitar nem mascarar os encontros e desencontros do sujeito consigo mesmo, com o outro e com o próprio contexto social, dissimulando fealdades e tornando inexpressivas as situações (in Pisandelli, 2008, p. 257).

Enfim, a psicopedagogia é uma perspectiva nova, um novo olhar que veio para auxiliar professores e alunos no processo de aprendizagem, procurando formar o homem, de modo harmonioso e equilibrado, para que ele possa viver racionalmente dentro do seu contexto social.
Frisamos que, nos capítulos que se seguem, estudaremos Piaget, Vigotsky e Wallon, psicólogos desenvolvimentistas, levando em conta suas contribuições para a psicopedagogia e salientando a influência dos fatores sociais em suas teorias.

























CAPITULO II
CONTRIBUIÇÕES PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA APRENDIZAGEM: A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET

O suíço Jean Piaget (1896-1980) deu uma enorme contribuição à pedagogia, embora não fosse seu objetivo ser um pedagogo.
Lucile Diehl Tolaine Fini diz que “a psicologia genética piagetiana, atualmente, tem dado uma contribuição inestimável para se compreender como o ser humano chega ao conhecimento, para se compreender os processos e mecanismos cognitivos e diferentes modificações que a criança e jovens apresentam ao longo da vida” ( in Sisto, 1996, p. 71).
Antes de fazermos uma abordagem da teoria cognitiva de Piaget, sob o ponto de vista social, iremos expor alguns embasamentos teóricos de seu pensamento, para que nossa exposição posterior se torne mais compreensível.
Piaget, em sua epistemologia, rejeita a teoria das idéias inatas, defendidas no passado por filósofos como Platão, Descartes, Leibniz, etc., afirmando que todo conhecimento deriva da experiência. Mas rejeita a doutrina empirista que assegura que a mente humana é passiva e que é mero produto da experiência, transformando o sujeito em simples produto do meio. Ora, a mente é um órgão vivo e ativo, que elabora o conhecimento a partir de esquemas inatos e não de idéias inatas.
Piaget descobre que existe na criança uma inteligência anterior à aquisição da linguagem verbal. Ele mostrou que a noção de objetos ( e das categorias lógicas que os compreendem) é formada no ser humano através de uma evolução dos processos biológicos e cognitivos da criança, evolução esta que vai do nascimento até a adolescência. Esta evolução é dividida em vários períodos, como se verá adiante. Porém, antes, alguns conceitos piagetianos devem ser esclarecidos a seguir.
Piaget sofre influência da biologia. E uma dessas influências é o conceito de estrutura. Uma estrutura é uma intercorrelação das partes dentro de um todo com a finalidade de exercer determinada atividade. Podemos dizer também que é organização ou sistema, forma ou coordenação.

Uma estrutura é um sistema de transformação que comporta leis enquanto sistema (por oposição às propriedades dos elementos) e que se conserva e se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas ultrapassem suas fronteiras ou recorram a elementos exteriores (Piaget, 1971, p. 31).

Todo organismo ou ser vivo preciso de estrutura para funcionar, para se reproduzir, para se perpetuar. Do mesmo modo, nossa vida psicológica possui também suas estruturas para poder viver, para se adaptar à realidade. Como um organismo é uma estrutura viva, é afetado pelo meio ambiente e precisa se adaptar a ele para sobreviver. “Pode-se definir a estrutura de um organismo como a totalidade dos subsistemas organizacionais pelos quais / um organismo pertence a uma determinada espécie (por exemplo, cão, ser humano), e possui capacidade funcionais específicas” ( Furth, 1997, pp. 34-35).
No processo de interação entre estrutura e meio, algo é sempre acrescentado à estrutura, como o meio também pode ser modificado. Esta relação entre estrutura e meio é o que denominamos genericamente de conhecimento ou cognição.
O conhecimento é sempre um processo de generalização que ultrapassa os dados particulares de uma situação. Esse processo vai do particular para o geral e Piaget o chama de assimilação, que é o contrário da acomodação, que vai do geral para o particular. Vejamos um exemplo, a título de ilustração. O pombo correio aprende sempre a achar o caminho de volta para a casa. Isto é o resultado de uma generalização de vários casos particulares, que foram assimilados, de modo que ele sabe retornar, quer faça sol ou chuva, quer tenha voltado pelo caminho habitual ou não, quer tenha que se desviar de tempestade, campo de tiro, etc. O objetivo de voltar para casa é um esquema fixo entre muitas variáveis. O fato de voltar sempre constitui o seu aprendizado.
O contrário desse processo é a acomodação que consiste em aplicar um esquema geral a uma situação particular. Ou seja, o esquema do pombo voltar para casa é sempre modificado e aperfeiçoado mediante a aprendizagem de cada situação nova que apareça (mau tempo, perigo de predadores, mudança de estações, poluição atmosférica, etc.), mas ele procura sempre chegar ao seu destino.
Por conseguinte, a assimilação enfatiza a direção que vai da situação particular à estrutura geral. A acomodação acentua a situação inversa. Em poucas palavras, assimilação refere-se àquilo que é essencial a todo conhecimento, ou seja, uniformidade, atributos comuns e generalizados numa dada situação; acomodação refere-se àquilo que é particular, novo, diferente, proporcionando assim a base para mudança e aprendizagem ( Furth, 1997, p. 37).

Em suma, o processo de adaptação de um organismo ao meio requer assimilação e acomodação constantemente, que é um processo permanente de auto-regulação feita pelo sujeito, ao longo de seu desenvolvimento.
Este processo de desenvolvimento do organismo foi estudado e dividido por Piaget em períodos, os quais foram subdivididos em subperíodos, que ele chamou de estágios, conforme a idade da criança. Esses períodos são estudados resumidamente a seguir.
I – Período das operações sensório-motoras
Esse período foi dividido em seis (6) estágios e vai do nascimento até os 8 anos da criança.
1 – Primeiro estágio: o uso dos reflexos.
O primeiro estágio vai do nascimento do bebê até um mês de idade e nele a criança apresenta reflexos como sugar, agarrar, buscar com os lábios, etc. Tais reflexos combinam-se mutuamente e formam os esquemas primitivos, como, por exemplo, o esquema “buscar-e-sugar”. Seu egocentrismo é revelado e o bebê não tem consciência da diferença entre seu EU e o mundo externo.

2 – Segundo estágio: primeiras adaptações adquiridas e reações circulares primárias.

Este estágio vai do primeiro ao quarto mês e, aqui, a criança procura definir os limites de seu próprio corpo através de descobertas acidentais. Tenta combinar reflexos, como o olhar e o agarrar, formando uma organização mais complexa, um comportamento que denominamos de preensão. Apesar de já estar mais desenvolvido, o bebê ainda é egocêntrico e não age com intencionalidade, razão pela qual não explora a realidade. O esquema de assimilação não está bem diferenciado do esquema de acomodação. È por causa desse seu autocentrismo que suas ações são chamadas “reações circulares primárias”.
3 – Terceiro estágio: reações circulares secundárias.
Este estágio vai do quarto ao oitavo mês. Aqui, a criança aprende a adaptar os esquemas familiares a novas situações, visando prolongar os espetáculos ou situações que acha interessante. Começa a ter menos interesse pelo próprio corpo e maior interesse pelo mundo que a cerca. Tenta alcançar os objetos, desde que estejam no campo de sua visão e supõe que seus esquemas “dominam” as coisas, os objetos externos. Como a criança já começa a se interessar por seu meio ambiente (alocentrismo) suas ações são chamadas de “ reações circulares secundárias”. Mas ainda não faz diferença entre si e o mundo exterior.
4 – Quarto estágio: a coordenação dos esquemas secundários e sua aplicação a novas situações.
Este estágio vai do oitavo mês a um ano de idade e nele surge o comportamento intencional e adaptação de esquemas a novas situações. Já demonstra os primórdios da memória e da representação. Mas não tem noção da existência de objetos como coisas fixas. “A noção de objeto – diz Piaget – longe de ser inata ou dada completamente na experiência, é construída pouco a pouco” (1970, p. 12). Embora ainda não tenha noção clara do que seja um objeto, sabe que deve se adaptar a ele.
5 – Quinto estágio: a revolução terciária e a descoberta de novos significados por meio de experimentação ativa.
Este período vai do 12º. ao 18º. mês. Aqui, a criança começa a fazer experimentos sistemáticos, utilizando seus esquemas, num tateamento orientado. A criança emprega novos meios, como o prolongamento de seus membros, tais como bastões e correntes, para atingir objetos conhecidos. Pode acompanhar visualmente objetos sendo deslocados e escondidos, tentando reencontrá-los onde os viu pela última vez, mas não consegue deduzir ou inferir a existência de coisas não vistas. Quer dizer, se um objeto for escondido debaixo de um travesseiro, para ela este objeto desapareceu, deixou de existir. Como diz Piaget, “a criança não concebe as coisas sob forma de objetos substanciais, permanentes e de dimensões constantes” (1970, p. 12.), mas apenas como quadros instáveis, que aparecem e desaparecem. Mas neste estágio ela reconhece fotografias de pessoas ou objetos e pode acompanhar instruções verbais simples.
Neste estágio estão as relações circulares terciárias. Na relação circular secundária, a criança aplicava o mesmo esquema a vários objetos: por exemplo, esfregava o chocalho contra a parede do berço para ouvir o ruído, interessando-se pelo som e não pelo objeto em si mesmo. Nas relações terciárias, a criança observa o objeto em si mesmo, buscando captar suas relações. Deseja constatar suas propriedades: é ver para crer, é um cientista primitivo. Existe aqui uma vaga distinção entre o sujeito e o objeto, como que pressentido que existe algo fora de si que resiste à sua vontade. É o início da construção do real na criança.
6 – Sexto estágio: a invenção de novos meios através de combinações mentais.
Este estágio vai do 18º. ao 24º mês. Esta época assinala a transição da atividade sensório-motora para a da representação. A criança inventa novos meios de interagir com o ambiente através da dedução ou inferência. As tentativas por ensaios e erros já não são executadas por meio físico, mas simbolicamente, mentalmente. Já sabe deduzir o deslocamento de objeto, mesmo não o vendo e acredita na permanência das coisas. Começa a usar símbolos na linguagem e nas brincadeiras – o “faz-de-conta”. Demonstra orientação, intencionalidade e manifesta uma primitiva compreensão dos conceitos de espaço, tempo e causalidade. É o início da representação simbólica. Mas é só no período seguinte que ocorre o nascimento da linguagem.
II – Período das operações concretas
Este período vai dos 2 aos 11 (ou 12) anos e se subdivide em Período Pré-Operacional e Período das Operações Concretas.
1 – Período Pré-Operacional
Este período compreende dois estágios: o Estágio Pré-Conceitual e o Estágio Pré-Lógico ou Intuitivo.
Neste estágio pré-conceitual ( de 2 a 4 anos) a criança opera no nível da representação simbólica, o que é constatado na imitação, na memória, no desenho, no sonho, na linguagem, etc. Surgem tentativas de generalizações (conceituações) e a idéia de classe. Mas ainda existe o sentimento mágico da onipotência e o pensamento egocêntrico. Sua linguagem é “egocêntrica, em primeiro lugar porque a criança não fala a não ser de si mesma, e, em segundo lugar, porque não procura colocar-se no ponto de vista do interlocutor” (Piaget, 1999, p. 8).
Adota o animismo (todos os objetos animados ou inanimados são vivos), onde as coisas são dotadas de sentimentos, pois é isso o que ocorre consigo mesma, não conseguindo conceber mentalmente o ponto de vista de outra pessoa. Pensa que tudo que ocorre tem uma ligação de causa e efeito.
No estágio pré-lógico ou intuitivo (de 4 a 7 anos) aparece o raciocínio pré-lógico, baseado em experiências perceptuais ( por exemplo, um copo pequeno cheio de líquido vale mais do que um copo grande que não esteja completamente cheio). Com ensaios e erros, pode chegar intuitivamente à compreensão das relações corretas entre as coisas, mas só pode considerar apenas um atributo de cada vez. Por exemplo: conchas azuis não podem ser ao mesmo tempo conchas de madeira. A linguagem ainda é egocêntrica, refletindo apenas sua experiência.
2 – Período das operações concretas
Este período vai dos 7 aos 12 anos. Nesta etapa a criança pensa logicamente sobre as coisas que experimentou e as manipula simbolicamente. Faz operações aritméticas, domina o conceito de conservação das coisas e reconhece, por exemplo, que uma xícara de café tem o mesmo volume de líquido, mesmo este mudando para recipientes de diversas formas e tamanhos. Domina já o conceito reversibilidade, possui um raciocínio matemático, porém ainda não atingiu sua capacidade cognitiva plenamente.
III – Período das operações formais
Este período vai dos doze anos à idade adulta. Em algum ponto, dos 11 aos 12 anos (Piaget se refere sempre às crianças européias), a criança aprende a raciocinar logicamente sobre proposições, coisas e propriedades abstratas. É o último período de desenvolvimento, mas existem adultos que nunca o atingem plenamente. É o raciocínio característico dos cientistas, como Newton, Einstein, etc.
Esses períodos não apresentam uma universalidade quanto à parte cronológica, podendo variar um pouco em cada povo, em cada civilização, de cada formação social e o próprio Piaget reconheceu isso, o que foi comprovado com experiência com crianças latino-americanas, cujos períodos de desenvolvimentos são mais longos.
Terminamos aqui de expor alguns itens fundamentais da psicologia genética de Piaget para que, depois, sua teoria sobre os fundamentos sociais da parte cognitiva da criança se torne mais compreensível.
O papel dos fatores sociais
Critica-se Piaget por ter desprezado o papel do meio sócio-cultural no desenvolvimento cognitivo da criança. Diz Vigotsky: “Piaget já foi criticado por Stern por não ter dado a devida importância à situação social e ao meio” (2008, p. 28). Evidentemente que esses autores se baseiam nas primeiras obras publicadas por Piaget, especialmente o livro “A Linguagem e o pensamento da criança”, publicado em 1923.
Ora, Yves de La Taille afirma que tal crítica não é de todo fundada. E aponta o livro de Piaget “Biologia e conhecimento” como uma resposta a seus críticos, onde Piaget diz que a inteligência humana se desenvolve no jndivíduo somente dentro das interações sociais em geral (cf. La Taille, 1992).
Piaget concorda com o filósofo grego Aristóteles quando este diz que o homem é um ser essencialmente social. O homem recebe influência dos diversos grupos de que participa e não está imune aos legados da história e da tradição. O homem isolado é uma abstração, não existe.
A razão, no seu desenvolvimento no homem, desde criança até a idade adulta, é continuamente influenciada pelas diversas determinações sociais.
Piaget, no livro citado por La Taille ( “Biologia e Conhecimento”) diz que a questão das influências sociais passa por dois momentos: 1) a definição de que se deve entender por ser social e; 2) a verificação de como os fatores sociais contribuem para explicar o desenvolvimento intelectual, isto é, o processo de socialização; 3) e, por fim, La Taille diz que Piaget, no escrito “O juízo moral na criança”, complementa a questão das influências sociais na formação da criança como ser cooperativo, social. É a questão ética como valor superior da socialidade.


1 – O homem como ser social
Piaget afirma que o homem normal não é social da mesma maneira aos 6 meses ou aos 20 anos de idade. Sua individualidade e socialidade variam com o tempo.
Somente a partir de uma certa idade (11 ou 12 anos), o indivíduo passa ser um ser social normal, pensando com reciprocidade em relação ao seu semelhante, de forma equilibrada.
Para que esse equilíbrio na comunicação entre sujeitos ocorra, exige-se, conforme La Taille, expondo Piaget:
1)um sistema comum de signos e de definições, 2) uma conservação das proposições válidas obrigando aquele que as reconheça como tal, e 3) uma reciprocidade de pensamento entre os interlocutores (La Taille, 1992, p. 14).

Isto é, para que esse equilíbrio comunicativo aconteça, os interlocutores precisam de cumprir regras de determinado tipo de relação social. Piaget diz que o mais alto nível de “ser social” é aquele que se relaciona com seus semelhantes de forma equilibrada, pois o homem vive em agrupamento em que se exige reciprocidade entre seus membros. É no agrupamento que o sujeito atinge o pensamento operatório.
É por isso que o ser social de uma criança é diferente do ser social de um adolescente, pois aquela não é capaz de exercer o equilíbrio das trocas intelectuais, já que está muito centrada em si mesma (pensamento egocêntrico).
Somente a partir da aquisição da linguagem inicia-se uma real socialização da inteligência, o que não acontece com a criança que está no estado pré-operatório.
No período operatório, o sujeito alcança o que Piaget denomina de personalidade. Ele diz que a personalidade não é o eu enquanto diferente dos outros eus e contrário à socialização, mas é o indivíduo se submetendo voluntariamente às normas sociais da reciprocidade e universalidade. A personalidade é, pois, o produto mais refinado da socialização. Piaget diz que a “personalidade é, pois, uma coordenação da individualidade com o universal” (in La Taille, 1992, p. 17).
É a aquisição da personalidade, pois, o passaporte para o ser humano entrar no mundo da socialidade plena.
2 – O processo de socialização
Piaget, portanto, estuda a socialização do sujeito desde sua infância (desde seu nascimento) até o seu grau máximo, representado pelo conceito de personalidade. É a partir daqui que o indivíduo adquire autonomia, usufrui dela e das contribuições dos outros, através das trocas sociais.
“A autonomia – diz Piaget – significa ser capaz de se situar consciente e competentemente na rede dos diversos pontos de vista e conflitos presentes numa sociedade” (in La Taille, 1992, p. 17).

Somente quando o ser humano tem o domínio das operações formais da lógica é que ele pode fazer as trocas sociais.
Para Piaget, a Lógica é “a teoria formal das operações dedutivas” (1976, p. 19). Ela representa a forma final do equilíbrio das ações. A Lógica é para ele um sistema de operações (ações) que se tornam reversíveis e passíveis de serem compostas entre si. A marcha para se conseguir este estado começa desde o período sensório-motor da criança, até atingir, no período formal, seu mais alto nível de reversibilidade ( raciocínio reversível) (exemplo de raciocínio reversível: se Pedro é eleitor, então ele vota. Reversão: se Pedro vota, então ele é eleitor).
O caminho para atingir o estado de equilíbrio exige a cooperação entre os indivíduos. Aqui, Piaget introduz dois tipos de relações sociais: a coação e a cooperação.
Ele chama de coação social a relação entre dois ou mais indivíduos, na qual predomina um elemento de autoridade ou prestígio. Quer dizer, coação é poder de imposição. Isto existe sobre as crianças pequenas (relação pai/filho), mas pode perdurar até a idade adulta. Mas a coação não é a autêntica relação social, pois nela os indivíduos permanecem isolados: o que manda não precisa da interação do mandado e o obediente contenta-se em obedecer, memorizar e repetir o que lhe é imposto. Aqui, não há um verdadeiro diálogo e a coação não ajuda o desenvolvimento da inteligência e da construção da autonomia do sujeito, contribuindo mais para o seu egocentrismo do que para uma perspectiva de descentração.
Já as relações de cooperação podem contribuir para o desenvolvimento do indivíduo e integrá-lo ao grupo social em que vive. A cooperação pressupõe a coordenação de operações de dois ou mais sujeitos. Piaget considera a cooperação como o tipo de relação interindividual que representa o mais alto nível de socialização.
Mas por que devemos ser cooperativos?
Piaget parte de uma perspectiva ética: o indivíduo deve ser cooperativo. Vivemos numa sociedade e isto implica o acatamento de regras, o que leva a ética para a política. Precisamos de um regime, de instituições que devam valorizar a igualdade e a democracia, pois a democracia é a condição necessária para a construção da personalidade. Sobre essa dimensão ética, diz La Taille, interpretando Piaget:
O resgate da dimensão ética e política para a elaboração de uma teoria do desenvolvimento cognitivo do homem representa certamente uma grande riqueza para as Ciências Humanas (La Taille, 1992, p. 21).

Fica patente então que a psicologia do desenvolvimento de Piaget, mesmo não dando tanta ênfase ao ambiente sócio-cultural como Vigotsky, não despreza a contribuição dos valores sociais na construção da aprendizagem e da personalidade humana. E sua psicologia é de enorme importância para o educador, para a psicopedagogia, tal como a de Vigotsky e a de Wallon.
3) O homem como ser moral
Piaget, em seu livro “O julgamento moral na criança”, reafirma a contribuição do meio social na formação moral da criança. Nesta obra, ele desenvolve os conceitos de autonomia e heteronomia nas crianças.
A filosofia e a literatura dos séculos XVII e XVIII (Kant, Rousseau, etc.) davam muita ênfase ao suposto conflito entre razão e paixão, comportamento racional e afetividade. A razão – como dizia o filósofo Voltaire – sempre acaba por ter razão. Por isso, nessa época das luzes (Iluminismo), dizia-se que a moral deveria se fundamentar na razão e não nos sentimentos.
Piaget é partidário dessa posição. Em seu livro, procura mostrar que a moral é racional. Por isso, procura mostrar a maneira de como se articulam a afetividade e a razão.
Piaget tira suas conclusões a partir de observações de brincadeiras das crianças, como o jogo de bola de gude (para os meninos) e o jogo da amarelinha (para as meninas). Como a moral exige obediência a normas, nesses jogos, as crianças tem que encarar o problema das regras.
Nesse caso, Piaget detecta três etapas: anomia, heteronomia e autonomia.
Anomia significa a ausência de lei. A criança até 5 ou 6 anos não obedece a regras, não segue o comportamento coletivo; antes, procura satisfazer seus interesses pessoais. Na segunda etapa, de 9 aos 10 anos, a criança entra na fase da heteronomia, que significa “lei do outro”. A palavra vem do grego: hetero quer dizer outro (outrem) e “nomia”, que vem de nomo, significa lei. Quer dizer, a criança, em suas brincadeiras, jogos ou comportamento pessoal, segue as leis impostas por outrem: os pais, a tradição, Deus, etc. Não questiona a justeza das regras (leis); apenas obedece. É o que Piaget chama de realismo moral.
Esse realismo tem três características: 1) bom é todo ato que revela obediência às regras; 2) as regras são interpretadas ao pé da letra e não no seu espírito ou intenção; 3) há uma concepção objetiva da responsabilidade: o que vale são as conseqüências dos atos e não a intencionalidade. Ora, nessa etapa, o indivíduo não contribui para fazer ou modificar as regras, sendo passivo em seu comportamento. O indivíduo somente passa a ser legislador ou colegislador na etapa seguinte, na autonomia.
Mas a partir dos 9 ou 10 anos, em média, essa tendência do realismo moral começa a ser superada. Vem então a autonomia, onde o indivíduo questiona as regras, modifica-as e até cria outras novas. É a idade da razão, da moral e onde a criança começa a entender o conceito de justiça, a mais alta virtude ética, segundo Aristóteles.
A noção de justiça
O conceito de justiça varia com a idade da criança. Para a criança pequena, justiça se confunde com a lei. Justiça é o cumprimento do dever e o dever é a obediência às regras (leis), à autoridade. Como se nota, este é o conceito de justiça do período da heteronomia.
Piaget diz que aos 6 anos, a criança já começa a perceber a noção de ordem ou regra injusta, mas somente entre 8 e 9 anos, a desobediência é vista como correta, no caso de julgar um ordem injusta. E aos 12 anos, em média, a criança já separa claramente a noção de justiça da noção de autoridade. Esse “é o traço essencial da autonomia moral” ( La Taille, 1992, p. 54).
Piaget discorda de Durkheim, que coloca a sociedade acima do indivíduo. Este último é partidário da heteronomia, pois nas relações entre indivíduo e sociedade, prevalece o peso desta última. Ora, Piaget dá valor às relações interindividuais, onde prevalece o respeito mútuo, característico da autonomia.
Por fim, simpatiza com as idéias de Bovet que, diferentemente de Durkheim (que privilegia as relações sociedade-indivíduo), pensa as relações entre indivíduos. Mas Piaget discorda também de Bovet, pois este baseia todo respeito moral no sentimento de medo e amor, o que é cair na heteronomia, submetendo-se ao peso dos sentimentos e das paixões. Seria uma moral irracional.
Ora, Piaget não joga a razão contra a afetividade, mas uma completa a outra, pois, no dizer de La Taille, expondo Piaget, “não assistimos a uma luta entre afetividade e moral” (1992, p. 70).
Piaget é racional, um lógico, e faz uma comparação entre a lógica e a moral. A lógica possui regras de controle sobre a atividade da inteligência e a moral deve ter também papel análogo em relação ao controle dos sentimentos ou paixões. É o que diz La Taille, analisando o livro de Piaget e enfatizando o papel da cooperação:
A moral desempenha papel análogo em relação à vida afetiva (...). Enquanto a coação impõe regras que a criança segue porque acredita que sejam boas, porque as interpreta como sagradas ou sente pelas autoridades que as ditaram medo e/ou amor, a cooperação permite que a ‘autoridade soberana` seja criticada em nome da Razão; permite que o sujeito acabe por considerar como subjetivamente necessárias (portanto, como obrigatórias) algumas regras e não outras (1992, p. 67).

Quer dizer, Piaget privilegia as relações sociais de cooperação, com base na autonomia dos sujeitos, o que implica a luta por uma sociedade democrática e ética, pois o homem como ser social não pode viver em sociedade autoritária, onde as relações sociais são de subordinação de uma classe a outra. Só que Piaget não sabe explicar, em última instância, porque devemos ter um “querer”.
Por fim, com as exposições feitas acima, sobre as interações sociais e valores éticos, fica demonstrado que Piaget não desprezou o fator social na produção do conhecimento e na formação do ser humano.




















CAPÍTULO III
OUTRAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA APRENDIZAGEM: AS TEORIAS DESENVOLVIMENTISTAS DE VIGOTSKI E WALLON

Estudemos agora as contribuições de Vigotski e Wallon para a psicologia social, a educação e a formação do conhecimento, pois elas ainda hoje influenciam e enriquecem a psicopedagogia.

1) Vigotski
Lev Semenovich Vigotsky nasceu na Rússia em 1986 e lá morreu em 1934. De suas obras, além das inéditas, citamos A psicologia da Arte e Pensamento e linguagem.
Ele baseou sua psicologia em quatro pontos que ele chamou de Planos Genéticos de Desenvolvimento. Sua psicologia é interacionista (dialética), como a de Piaget (cujas primeiras obras ele conheceu) e Wallon, porque este também reconhece a influência do meio ambiente no desenvolvimento psicológico da criança, adolescente e adulto. Esses planos são quatro: Filogênese, Ontogênese, Sociogênese e Microgênese.

A Filogênese
A filogênese se refere à história natural da espécie animal. Cada espécie animal tem uma história biológica própria e essa história determina os limites de suas possibilidades e funcionamentos. Por exemplo, o homem pode andar, tem habilidade manual, anda ereto, mas não pode voar. O pato doméstico, outro exemplo, pode andar, nadar e voar, mas não faz bem nenhuma dessas atividades. Se este estivesse vivendo na natureza e não melhorasse sua performance certamente já teria sido extinto.
No caso do ser humano, nossa herança biológica vai influir no nosso desenvolvimento psicológico, definir nossas possibilidades e limitações.


A Ontogênese
Este plano genético significa o desenvolvimento do ser indivíduo em função de sua própria espécie.

Em cada espécie, o ser, o membro individual daquela espécie, tem um caminho de desenvolvimento. Nasce, se desenvolve, se reproduz, morre, num ritmo determinado de desenvolvimento, com certa sequência, etc., e este plano genético da ontogênese está muito ligado à filogênese, porque os dois são de natureza biológica (Coleção Grandes Educadores, sem autor, sem data, pp. 25-26).

Em suma, somos membros de uma determinada espécie e nossas habilidades e capacidade de sobrevivência e de sucesso estão condicionadas pela história milenar dessa espécie, em seu embate, em sua luta pela sobrevivência.

A Sociogênese
Este é o terceiro plano postulado por Vigotsky. A sociogênese se refere à história, quer dizer, à cultura em que o homem está inserido, a qual influi no seu desenvolvimento psicológico. Sobre isso, assim escreve Marta Kohl de Oliveira, expondo o pensamento de Vigotski:

Falar da perspectiva de Vigotsky é falar da dimensão social do desenvolvimento humano. Interessado fundamentalmente no que chamamos de funções psicológicas superiores, e tendo produzido seus trabalhos dentro das concepções materialistas predominantes na União Soviética pós-revolucionária de 1917, Vigotsky tem como um de seus compromissos básicos a idéia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua relação com o outro social. A cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem ( In La Taille, 1992, p. 24).

A significação da cultura tem dois aspectos. Primeiro, é que a cultura funciona como um alargador de possibilidades para o homem. Por exemplo, o homem não voa, pois biologicamente está privado de meios para isso, mas culturalmente voa porque criou o avião. O segundo aspecto é o de como cada cultura organiza o seu desenvolvimento de um jeito diferente no tempo: é a história cultural de cada povo.

A Microgênese
A microgênese diz respeito a um universo menor da cultura em que é possível observar o desenvolvimento de indivíduos ou grupos agindo dentro da sociedade. Uma criança, por exemplo, da classe média tem uma história diferente de uma criança de uma favela. Cada criança tem sua própria história e seu próprio desenvolvimento psicológico no tempo. Por exemplo, em uma determinada fase da vida, uma criança não sabe amarrar o sapato; em outro tempo, ela aprende a fazê-lo. Isto será explicado mais adiante quando tratarmos da teoria de Vigotsky sobre o conceito de “Zona de Desenvolvimento Maximal”.
As zonas da filogênese e da ontogênese apresentam um certo determinismo biológico, pois cada indivíduo está sujeito às possibilidades da sua espécie. No caso da sociogênese, o indivíduo está sujeito a um certo determinismo histórico ou cultural. Porém na microgênese existe um indeterminismo ou contingência que possibilita o indivíduo construir-se, fazer-se, ser autor de sua própria história, mesmo levando em conta uma boa carga de condicionamento bio-cultural.
Porém, para se desenvolver, a criança precisa da linguagem, que é um fenômeno social.

A Linguagem
Vigotsky (2008) parte da idéia básica de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas mediada. O mundo é uma realidade interpretada e o meio de intermediação fundamental entre o sujeito e o mundo é a linguagem.
A primeira forma de intermediação entre o homem e o mundo são os instrumentos – faca, machado, serra, tratores, etc. No caso da criança, essencialmente brinquedos. Mas essa forma de se interar com o mundo é imperfeita ou incompleta, pois implica uma atividade concreta. O homem precisa traduzir essa concretude de suas atividades para algo mais flexível, os símbolos, que constituem, em suma, a linguagem.
Todas as funções psíquicas superiores são processo mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio de formação de um conceito e, posteriormente, torna-se seu símbolo (Vigotsky, 2008, p. 70).
E os conceitos são formas de origem cultural, pois não existem idéias inatas:

O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontrados nas formas naturais de pensamento e fala. Uma vez admitido o caráter histórico do pensamento verbal, devemos considerá-lo sujeito a todas as premissas do materialismo histórico, que são válidas para qualquer fenômeno histórico na sociedade humana (Vigotsky, 2008, p. 63).

Vigotsky divide em três estágios o percurso genético do desenvolvimento do pensamento conceitual.
No primeiro estágio a criança forma conjuntos sincréticos, agrupa objetos com nexos vagos, às vezes até por aproximação espacial. As relações entre esses nexos são instáveis e ela não capta as propriedades constantes dos objetos.
Já o segundo estágio, chamado por Vigotsky de “pensamento por complexos”, os nexos se baseiam em fatos concretos, embora com a ausência dos processos lógicos abstratos. É o que ele diz:

“As ligações factuais subjacentes aos complexos são descobertas por meio da experiência direta. Portanto, um complexo é antes de mais nada, um agrupamento concreto de objetos unidos por ligações factuais. Uma vez que um complexo não é formado no plano do pensamento lógico abstrato, as ligações que o criam, assim como as que ele ajuda a criar, carecem de unidade lógica: podem ser de muitos tipos diferentes. Qualquer conexão factualmente presente pode levar à inclusão de um determinado elemento em um complexo. É esta a diferença principal entre um complexo e um conceito. Enquanto um conceito agrupa objetos de acordo com um atributo, as ligações que unem os elementos de um complexo ao todo, e entre si, podem não ser tão diversas quanto os contatos e as relações que de fato existem entre os elementos (Vigotsky, 2008, p. 77).

No terceiro estágio, a criança inicia o processo da formação dos conceitos. Ela agrupa os objetos com base num único atributo, sendo capaz de fazer abstração das características acidentais dos objetos da totalidade concreta. É a partir daqui que a criança começa a empregar a linguagem lógica.
Quanto à linguagem, Vigotsky (2008) diz que ela tem duas funções fundamentais. A primeira, a de comunicação. As pessoas inventaram a língua, primitivamente, para se comunicarem. “A função primordial da fala, tanto nas crianças quanto nos adultos, é a comunicação, o contato social. A fala mais primitiva da criança é, portanto, essencialmente social” (Vigotsky, 2008, p. 23). Mas essa não é a única função da linguagem. Possui uma outra, que é a de fazer generalizações, que é onde pensamento e linguagem se encaixam. Esta é uma função nobre da linguagem, que faz com que o homem seja um animal racional. Os chimpanzés, por exemplo, usam uma linguagem para se comunicar, mas sua linguagem só tem essa função. Por isso não são racionais.
Portanto, o uso da linguagem implica uma compreensão generalizada do mundo, onde classificamos as coisas em conceitos cada vez mais totalizantes, até atingirmos as categorias ou conceitos mais universais da realidade.
Aqui, fazemos uma ligeira comparação entre Vigotsky(2008) e Piaget (1999) sobre o processo de aquisição da linguagem. Trata-se do termo “linguagem egocêntrica”. Este conceito Vigotsky adquiriu de Piaget, mas o significado em ambos é oposto. Para Piaget, existe um motor endógeno na criança que comanda o processo de aquisição da linguagem de dentro para fora. Para Vigotsky, devida à sua teoria do social na constituição da vida psicológica, o processo ocorre de fora para dentro. A linguagem egocêntrica nasce do processo de interiorização da exterioridade, isto é, da internalização do meio social. Assim, quando a criança fala sozinha ela não está expondo algo interno para fora, mas absorvendo algo externo para dentro. Vigotsky diz que “os dados obtidos sugerem a hipótese de que a fala egocêntrica é um estágio transitório na evolução da fala oral para a fala interior” (2008, p. 21).
Vigotsky critica Piaget (ele se refere ao livro “A linguagem e o pensamento da criança”, de 1923) que diz que a fala egocêntrica desaparece na idade escolar. Segundo Vigotsky:

A fala egocêntrica emerge quando a criança transfere formas sociais e cooperativas de comportamento para a esfera das funções psíquicas interiores e pessoais. A tendência da criança a transferir para os seus processos interiores os padrões de comportamento que inicialmente eram sociais é bastante conhecida por Piaget. Em outro contexto, ele escreve como as discussões entre crianças originam as primeiras manifestações da reflexão lógica. Acreditamos que algo semelhante acontece quando a criança começa a conversar consigo mesma da mesma forma que conversa com os outros. Quando as circunstâncias obrigam-na a parar e pensar, o mais provável é que ela pense em voz alta. A fala egocêntrica, dissociada da fala social geral, leva, com o tempo, à fala interior, que serve tanto ao pensamento autístico quanto ao pensamento lógico (2008, p. 23).

Vigotsky entende que a fala egocêntrica, enquanto forma lingüística separada, é o elo genético de extrema importância na transição da fala oral para a fala interior e por isso desperta um interesse teórico muito grande.
Assim, o ponto de vista de Vigotsky sobre a fala egocêntrica difere tanto do de Piaget como do ponto de vista dos behavioristas; É o que ele diz textualmente:

“O nosso esquema de desenvolvimento – primeira, fala social, depois egocêntrica, e então interior – diverge tanto do esquema behaviorista – fala oral, sopro, fala interior – quanto da sequência de Piaget – que parte do pensamento autístico não-verbal à fala socializada e ao pensamento lógico, através do pensamento e da fala egocêntricos. Segundo a nossa concepção, o verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o individual (2008, p. 24).

Aí está a diferença fundamental entre Piaget e Vigotsky pois este parte do social para explicar o individual, já que a fala egocêntrica não nasce de um vazio, mas tem relação direta com o modo como a criança lida com o mundo real. Isto faz parte integrante do processo de atividade racional, onde se adquire a inteligência a partir das ações intencionais. Aos poucos a fala egocêntrica vai progredindo e tornando-se um instrumento apropriado para planejar e resolver problemas, à medida que as atividades da criança se tornam mais complexas.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal
Normalmente, quando queremos avaliar o desenvolvimento de uma criança, perguntamos o que ela sabe fazer, onde ela já chegou. Por exemplo: ela sabe amarrar o sapato sozinha? Em determinada etapa do desenvolvimento da criança ela não sabe amarrar o sapato e não adianta ensiná-la pois ela ainda não adquiriu maturidade psicológica suficiente para aprender a realizar essa simples operação. De maneira que Vigotsky chama isso de nível de desenvolvimento real, que é aquilo que a criança aprendeu até hoje, até onde ela chegou, é o olhar retrospectivo, a visão sobre o seu passado, o que ela já tem. Porém existe um outro nível, o olhar prospectivo, que ele chama de nível de desenvolvimento potencial, que é aquilo que a criança não tem, mas que constitui perspectiva, aquilo que pode acontecer. É essa fase de transição entre um nível e outro que Vigotsky chama de “zona de desenvolvimento maximal”. Sobre isso, fala Marta Kohl de Oliveira, expondo Vigotski:

É a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento (real e potencial) que Vigotsky define a zona de desenvolvimento proximal como ‘a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes’ ( in Feitosa, 2008, p. 26).

É aqui que está a grande importância de Vigotsky para a pedagogia: a valorização do professor, como interventor, como colaborador no processo de aprendizagem, pois este é um processo que ocorre com a participação de outras pessoas, especialmente o pedagogo, no caso da educação formal, isto é, educação escolar.
E aqui entra uma coisa muito importante para Vigotski, que é o mundo humano, cultural, social:

Não em termos de um ambiente onde o sujeito está simplesmente imerso, não é como se fosse um caldo onde tivéssemos posto lá dentro e passivamente fosse absorvendo informações do ambiente. Ele [Vigotsky] coloca uma posição muito ativa, primeiro para o próprio sujeito, quer dizer, ele está se relacionando com o mundo de informações, significados, modos de ser, rumos de desenvolvimento e tal, onde ele também age, ele não é um ser passivo, que recebe passivamente informações do mundo, mas a cada momento de sua história ele é um sujeito pleno, que retroage, que age sobre o ambiente, que dialoga, que impõe significados, que traz sua subjetividade, seu modo de ver o mundo, sua própria história, naquela relação de aprendizagem que promoverá [o seu] desenvolvimento (Coleção grandes educadores, p. 37).

Vigotsky é um educador. Por isso ele realça um aspecto extremamente importante, que é o papel da intervenção do outro no desenvolvimento do ser humano. Quando a criança nasce, ela emerge num mundo onde já existe uma cultura, um conhecimento construído. E para que ela se socialize, precisa da ajuda da família, da escola, da sociedade em geral. Então, para ele, a intervenção pedagógica é essencial na promoção do desenvolvimento de cada indivíduo. O sujeito depende dessa intervenção para se desenvolver e seguir os rumos que cada cultura supõe como o mais adequado para sua realização pessoal.
A intervenção pedagógica é essencial para o desenvolvimento do sujeito humano.
Acreditamos que a teoria de Vigotsk, exposta resumidamente acima, tem dado enorme contribuição para entender o fenômeno da origem e desenvolvimento do conhecimento humano e enriquecido a psicopedagogia em suas tarefas de resolver os problemas de aprendizagem.

1) Wallon
Henri Wallon nasceu na França em 1879 e residiu por toda sua vida em Paris, onde faleceu em 1962, com 83 anos de idade. De suas obras, citamos: L´enfant turbulent ( A criança turbulenta), Théorie des émotions (Teoria das Emoções) e Les origines de la pensée chez l´enfant (As origens do pensamento na criança).
Quando os nazistas invadiram a França durante a Segunda Grande Guerra, participou da Resistência francesa contra os invasores. Filiou-se ao Partido Comunista Francês e sofreu influência, como Vigotsky, do marxismo. Acreditava na pedagogia como instrumento de educar a criança e na psicologia como teoria para observar o desenvolvimento infantil e assim aprimorar a prática pedagógica.
O projeto teórico da Wallon é descobrir a psicogênese da pessoa. Quer dizer, como se forma a pessoa humana, sua individualidade, sua vida mental. Concentrou seus estudos nas fases iniciais da infância com a intenção de compreender como vai se articulando, se formando a complexidade dos vários campos e fatores que vão culminar no psiquismo do ser humano adulto.
Para isso, vai delinear quatro campos da vida humana, que são denominados de campos funcionais, sobre os quais vai se debruçar para aplicar suas pesquisas. Esses campos são a motricidade (movimento), as emoções, a inteligência e a pessoa. A relação entre esses quatro campos nem sempre é de harmonia. É uma relação de conflito, de antagonismos, embora cada um desses campos seja inseparável um do outro, o que permite ver o sujeito humano de forma integrada. Vejamos esses campos ou eixos.

1 – A motricidade
A motricidade (movimento) é o primeiro sinal da vida psíquica da criança ao nascer, que é a dimensão que vai acompanhar todas as idades de todos os campos da vida humana. A criança é vista como estado provisório, como preparação para a vida adulta, mas ao mesmo tempo, cada etapa de sua vida tem valor em si mesma.
Sobre a motricidade, escreve Heloysa Dantas, expondo Vigotski:

Mas o grande eixo é a questão da motricidade; os outros surgem porque Wallon não consegue dissociá-lo do conjunto do funcionamento da pessoa. A psicogênese da motricidade (não estranhe a expressão, porque, em Wallon, “motor” é sempre sinônimo de “psicomotor”) se confunde com a psicogênese da pessoa ( in Taille, 1992, p. 37).

Wallon distingue duas dimensões do movimento: a dimensão mais expressiva, que não é o deslocamento no espaço, mas é o movimento que tem por base as emoções. E a outra dimensão, a instrumental, que é a ação que gera intervenção no meio físico, no mundo concreto. Continua Heloysa Dantas:

Fiel à sua disposição infra-estrutural, Wallon busca os órgãos do movimento: a musculatura e as estruturas cerebrais responsáveis pela sua organização. Na atividade muscular identifica duas funções: cinética, ou clônica, e postural, ou tônica . A primeira responde pelo movimento visível, pela mudança de posição do corpo ou segmento do corpo no espaço, e a segunda, pela manutenção da posição assumida (atitude), e pela mímica ( in Taille, 1992, p. 37).

A dimensão expressiva do ser humano é muito importante. Muitas vezes o educador se irrita com a criança que se movimenta muito na sala de aula e acha que a criança ideal para a aprendizagem é aquela que fica imóvel, sentadinha. Muitas vezes ocorre o contrário. É essa dimensão expressiva do movimento, como gestos, interações com os colegas, etc., que facilita a aprendizagem. Impedir a criança de se movimentar pode impedir que ela aprenda, pois o pensamento dela, num primeiro momento, é sustentado pelo movimento. Ela precisa se mexer para construir o fluxo de seu pensamento. Com o tempo, ela vai aprendendo a controlar seus próprios movimentos.
Sobre a motricidade expressiva da mímica, Heloysa Dantas, analisando Wallon, diz que ela é:

Inteiramente ineficaz do ponto de vista instrumental: não tem efeitos transformadores sobre o ambiente físico. Mas o mesmo não acontece em relação ao ambiente social; pela expressividade o indivíduo humano atua sobre o outro, e é isto que lhe permite sobreviver, durante o seu prolongado período de dependência. A motricidade humana, descobre Wallon em sua análise genética, começa pela atuação no meio social, antes de poder modificar o meio físico. O contato com este, na espécie humana, nunca é direto: é sempre intermediado pelo social, tanto em sua dimensão interpessoal quanto cultural (in Taille, 1992, p. 38).
Há movimentos reflexos, controlados pela medula, há movimentos involuntários, automáticos, controlados em nível subcortical pelo sistema extrapiramidal e há os movimentos voluntários ou praxias, controlados no nível cortical pelo sistema piramidal.O sistema cortical tende a controlar todos os outros, conforme interpreta Heloysa Dantas:

O sistema cortical impõe seu controla sobre o sistema subcortical, e, estabelece-se entre ambos uma relação de reciprocidade, mas também de subordinação do sistema mais antigo ( o subcortical) ao mais recente [o cortical]. Praxias bem estabelecidas automatizam-se, liberando o córtex para novas realizações ( in Taille, 1992, p. 39).

Quer dizer, as ações voluntárias, conscientes, podem ser automatizadas, como dirigir, andar, digitar, etc., para não estressar o córtex, pois do contrário este pereceria de fadiga, por excesso de carga, de tarefas. Só com muito esforço essas ações automatizadas podem ser conscientizadas, o que nem sempre é conveniente para nossa vida prática.
Enfim, o homem, em seu desenvolvimento da criança ao adulto, passa por fase de movimentos reflexos, evolui para os movimentos involuntários e chega mais tarde aos movimentos voluntários. Em face da influência ambiental, aliada ao amadurecimento da região cortical, chagará à fase simbólica e semiótica. A princípio será dominado pelo sincretismo, mas aos poucos chegará ao pensamento categorial, fase superior do desenvolvimento cognitivo.

2 – As emoções
Wallon dá muito importância às manifestações afetivas. A dimensão afetiva ocupa lugar central na teoria de Wallon, tanto de ponto de vista da construção da pessoa quanto da construção do conhecimento.
É preciso estudar essa dimensão, pois as emoções são as primeiras manifestações da criança e constituem suas formas iniciais de interação com o meio. E também por que a inteligência categorial, discursiva, nasce delas. É o que diz Heloysa Dantas, expondo a teoria da afetividade de Wallon:
A consciência afetiva é a forma pela qual o psiquismo emerge da vida orgânica: corresponde à sua primeira manifestação. Pelo vínculo imediato que instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao universo simbólico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo da história. Dessa forma é ela que permitirá a tomada de posse dos instrumentos com os quais trabalha a atividade cognitiva. Neste sentido, ela lhe dá origem (in Taille, 1992, pp. 85-86).

A criança, ao nascer, está em estado de imperícia: não sabe agarrar, não sabe dominar o meio físico, é totalmente indefesa. Sua única defesa é a emoção, na verdade, o choro. O choro é uma emoção tão forte que é capaz e mexer com a família inteira. É através dessa emoção que a criança chama a atenção para si, a fim de satisfazer suas necessidades.

Olhando a emoção, nesses seus primórdios, ele [Wallon] vai perceber que a função das emoções é principalmente uma função social, que é justamente possibilitar a interação da criança com o meio social. E, nesse sentido, o primeiro meio com o qual interage a criança não é o meio físico dos objetos, mas é o meio das pessoas (Coleção grandes educadores, p. 55).

As emoções são o primeiro instrumento de ligação da criança como o meio social. É a partir delas que a criança imerge no meio social, aprende a se ligar com ele e essa interação dá origem à linguagem. E a linguagem é o recurso fundamental para a estruturação do pensamento.
Até mesmo quando a linguagem se consolida como meio de interação social, as emoções não desaparecem. O adulto quando fala, por exemplo, gesticula, mexe com as mãos, altera o rosto, etc. Até o orador usa a emoção para mover as massas, o advogado usa a emoção para comover o juiz, etc. À proporção que o pensamento vai se desenvolvendo, as emoções diminuem, mas nunca são extintas completamente. É o que diz Heloysa Dantas:

A emoção traz consigo a tendência para reduzir a eficácia do funcionamento cognitivo; neste sentido, ela é regressiva. Mas a qualidade final do comportamento do qual ela está na origem dependerá da capacidade cortical para retomar o controle da situação. Se ele for bem sucedido, soluções inteligentes serão mais facilmente encontradas, e neste caso a emoção, embora, sem dúvida, não desapareça completamente (isto significaria atingir um estado não emocional, o que não existe, já que para Wallon, a afetividade é componente da ação, e se deve entender como emocional também um estado de serenidade), se reduzirá (in Taille,1992, p. 88).

Enfim, Wallon dá tanta importância ao papel da afetividade que defende que a educação das emoções deve estar nos propósitos da ação pedagógica. Sem trabalhar as emoções, qualquer tipo de educação será incompleta, imperfeita.

3 – A inteligência
Inteligência, em definição simples, é a capacidade de discernimento. A teoria de Wallon proclama que a inteligência nasce das emoções. “Isto é, a inteligência se constitui, se constrói, em cada indivíduo, graças a este primeiro momento de fusão emocional que há no início da vida humana. E por meio deste momento de fusão emocional é que a criança tem acesso à linguagem próprio do seu meio” (Coleção grandes educadores, p. 57).
A inteligência discursiva se manifesta por meio da linguagem. Todo processo de amadurecimento biológico e emocional é um processo de progresso rumo à inteligência categorial, que é o início do nascimento da inteligência normal do adulto.
Mas antes de chagar à idade adulta, a inteligência da criança passa por uma fase, o sincretismo, que deve ser constantemente superado, mas nunca eliminado completamente.
Que é sincretismo? Sincretismo quer dizer mistura, indiferenciação. A criança, ao contemplar o mundo não o percebe diferenciado, classificado em classes e categorias, como o faz o adulto. Ela não separa o atributo das coisas. Um exemplo que podemos citar é a da briga de duas crianças de dois ou três anos sobre o nome das mães. Uma diz para a outra: “minha mãe se chama Eliana”. E o segundo responde: “minha mãe também se chama Eliana”. E a primeira retruca: “É a minha mãe que se chama Eliana!”... Quer dizer, não admite que outra mãe também possa se chamar Eliana (cf. Coleção grandes educadores, p. 58).
O desenvolvimento da inteligência parte de um estado de total indiferenciação para um estado progressivo de diferenciação. Conforme o processo de diferenciações no sincretismo vai ocorrendo, a criança vai construindo outro estágio que Wallon chama de “pensamento categorial”. Este estado é a possibilidade de pensar o real por meio de categorias, de conceitos abstratos, que se aproximam do pensamento dos adultos. Este pensamento categorial começa a surgir na criança no final da primeira infância, na idade escolar, etc.
E para que esse desenvolvimento ocorra é necessária a interação da criança com o mundo dos adultos, isto é, com a cultura.
E quando é que esse processo de desenvolvimento – isto é, a passagem do sincretismo para o pensamento categorial – termina? Wallon é muito prudente em colocar um ponto final neste processo. Ele diz que ele provavelmente nunca termina, pois é a base o pensamento criador, do cientista, que está sempre descobrindo diferenciações entre as coisas, onde a inteligência rotineira nada descobre.
Quanto à relação entre emoção e inteligência, estas são antagônicas. Quanto mais a inteligência predomina, mas as emoções são dominadas. E quanto mais as emoções predominam, mais a inteligência é sufocada. No entanto, as emoções, por maior que seja a inteligência, nunca são eliminadas totalmente. Afinal, o homem não é uma máquina.

4 – A pessoa
A finalidade do desenvolvimento da criança é tornar-se pessoa, ter sua individualidade. A palavra “indivíduo” quer dizer uno, único, indivisível. Ou seja, cada pessoa é única, pois o ser humano não é fabricado em série como jornal.
Wallon mostra que, ao longo dos anos, a criança vai construindo a noção de personalidade, para cada sujeito, diferente de outro, pois a personalidade é o traço que caracteriza a individualidade de cada pessoa.
A pessoa é a unidade onde se articulam os campos da motricidade, afetividade e inteligência e onde a criança procura construir o seu eu, sua subjetividade. Para chegar à construção da pessoa, o ser humano passa por etapas.
Quando criança, já por volta dos três anos, atinge a fase do personalismo, que é a oposição ao outro. Procura negar totalmente o outro, recusa ajuda, é teimosa, briga pela posse de objetos, diz “isto é meu, é meu, é meu”, e afirma soberanamente a independência do seu eu.
Outra fase da construção da pessoa é a adolescência, onde o adolescente constantemente toma atitudes contra o adulto, defendendo suas posições. É aqui onde nasce o famoso conflito de gerações.
Porém a negação do outro nunca é total. Na fase adulta, o ser humano continua afirmando o seu eu perante o outro, mas deste absorve valores e idéias, de modo que este outro será sempre uma dimensão do seu eu, de modos diferentes, conforme cada pessoa e cada situação. Afinal, o homem constrói a sua pessoa no meio sócio-cultural onde vive. Como diz Heloysa Dantas, expondo Wallon, “O produto último da elaboração de uma inteligência, concreta, corporificada em alguém, é uma pessoa. A construção da pessoa é uma autoconstrução” (in Taille, 1992, p. 97).
Enfim, a criança se realiza através do meio: meio familiar, meio escolar e a sociedade em geral.
O papel da escola é importante porque também é um meio que influi na formação da criança. É preciso salientar bem isso, porque é costume culpar o ambiente familiar pelos desajustes da criança na escola, porém nem sempre esse desajuste provém do lar. A própria escola pode criar um ambiente onde as relações entram em conflito com os próprios valores familiares. Daí a importância da existência de um psicopedagogo para estudar essas relações.
E o potencial da escola é tão rico que, às vezes, pode até substituir as relações e valores familiares. Daí a importância de se oferecer uma educação de qualidades para todos e para cada um, sem discriminação de etnia e de condição social.
Quer dizer, que a escola consiga dar conta de uma educação que corresponda a um direito social, portanto, a uma demanda social de uma sociedade que se quer mais democrática, mais justa e, ao mesmo tempo, uma educação escolar que faça sentido para cada um dos sujeitos que tenha acesso à escola (Coleção grandes educadores, p. 63).

Enfim, a escola é um espaço cultural importante para a socialização da criança, para a construção do conhecimento e a formação da pessoa humana.
Toda doutrina de Wallon tem como objetivo final a construção da pessoa humana, sua realização no mundo social.
Seus estudos ainda hoje influem no meio psicológico e educativo e os psicopedagogos só terão a ganhar estudando seu pensamento, para que possam agir na escola conscientemente, tanto do ponto de vista da prevenção das dificuldades de aprendizagem, como ponto de vista clínico, visando sanar as patologias que impedem as crianças de aprenderem.























CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acabamos de fazer uma exposição sumária do pensamento de três renomados autores sobre suas teorias a respeito do desenvolvimento cognitivo na criança: Piaget, Vigotsky e Wallon.
Todos eles defendem a tese de que o conhecimento não é um dom, mas uma construção. O conhecimento é construído desde o nascimento da criança até sua adolescência ou pré-adolescência. E mais: tal desenvolvimento cognitivo depende do meio social onde a criança nasce.
O suíço Piaget diz que o homem é um animal social. Em seu livro “Biologia e Conhecimento”, ele diz que o desenvolvimento cognitivo do indivíduo só ocorre dentro das interações sociais. E que o conhecimento é um contínuo desenvolvimento da inteligência do sujeito epistêmico. Neste ponto, recebeu influência do filósofo alemão Immanuel Kant, que diz que a mente humana não é passiva; é uma faculdade viva e ativa, que molda, modela e coordena as impressões sensíveis para construção o conhecimento. A diferença entre Kant e Piaget é que este procura comprovar a tese de Kant através da observação e experiência empíricas, evitando a especulação filosófica.
O pensamento de Piaget é também dialético, pois o processo de construção do conhecimento e da inteligência é uma constante interação entre os esquemas herdados e a manipulação do meio. A finalidade de seu pensamento é a construção de uma epistemologia genética, científica, e não filosófica. Seu pensamento influenciou e continua a influenciar na psicologia, na educação e na psicopedagogia.
Por outro lado, o russo Vigotsky se inspira no filósofo alemão Karl Marx e na sua teoria historicista e social. A tese básica de Vigotski é de que não existe pensamento sem linguagem e esta é de natureza social. É no meio social que a criança dá seus primeiros passos rumo à aprendizagem e à socialização. Como Vigotsky parte do mundo social para construir sua teoria, a presença do outro é importante e indispensável para a construção do eu. Daí a importância que ele dá ao ato educativo, a ação do professor, a intervenção da escola na formação do homem como ser social.
O francês Wallon, por sua vez, inspirado nas doutrinas sociais marxistas, afirma que a criança, ao nascer, acha-se inserida num caldo de relações sociais e esse meio cultural condiciona o seu desenvolvimento cognitivo futuro. Para ele a inteligência se desenvolve de par com as emoções. Ou melhor, a inteligência nasce das emoções e por isso estas devem ser trabalhadas na ação pedagógica. É essa combinação da inteligência com as afetividades que constroem o objetivo final da ação educativa, que é a construção da pessoa, finalidade última do homem no mundo.
Esses três autores vistos acima tem exercidos muita influência nos psicopedagogos brasileiros e a prova maior disso é que são estudados frequentemente nos nossos cursos de psicopedagogias.
Enfim, esperamos que este sintético trabalho, focalizando três notórios autores no campo da psicologia, pedagogia e epistemologia, possa chamar a atenção dos psicopedagogos para um estudo mais aprofundado de suas obras, que certamente trará inestimável contribuição para a educação no nosso Brasil.

















REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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Coleção Grandes Educadores – Jean Piaget, Lev Vygoysky, Celestin Freinet, Henri Wallon, Belo Horizonte, CEDIC, edição sem autor e sem data (s/d) (Av. Franscisco Sales, 504 – Floresta, CEP-30150-220).

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Taille, Yves de La /et alii – Piaget, Vigotski, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão, São Paulo, Editora Summus, 1992.

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Vigotski, L. S. – Pensamento e Linguagem, São Paulo, Martins Fontes, 2008.

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